4.ª Companhia de Caçadores Especiais - 4 CCE
Angola, 1960-1962

Anotações Históricas

por Manuel da Graça Mateus, Dezembro de 2010


Anotações históricas sobre a 4.a CCE, por Manuel da Graça Mateus, editado originalmente em Dezembro de 2000 (c). Edições menores por P. Mateus em Junho de 2011.
 

Capítulo 1
Formação e Treino

Capítulo 2
Viagem e Destino

Capítulo 3
Serviços de Informações

Capítulo 4
Em campanha ( Meios e Tácticas )

Capítulo 5
O Inimigo

 


 


Capítulo 1
Formação e Treino


A formação da 4.ª C.C.E. iniciou-se em Lamego, 1960, no Centro de Instrução de Operações Especiais, C.I.O.E. (centro que mantêm actualmente a designação, funções e localização geográfica). Lamego é uma localidade do Norte de Portugal, localizada junto à Serra do Marão e na vizinhança do Rio Douro e do Rio Balsemão, cobrindo actualmente cerca de 151 quilómetros quadrados e com uma população de aproximadamente 30 mil habitantes.

[ Guia-Roteiro de Lamego produzido e distribuído pela CIOE em Julho de 1960, 10 páginas, PDF, aprox. 3,8 MB >> ]

A instrução durou cerca de 40 dias tendo enquadrado apenas Oficiais e Sargentos e um grupo restrito de apenas 6 Praças e Cabos. Os restantes elementos da 4.ª C.C.E. só viriam a receber formação em Luanda, Angola. Os instrutores do C.I.O.E. eram Oficiais e Sargentos com formação obtida além fronteiras e conhecedores das envolventes da luta anti-guerilha, com passagem prolongada por centros de instrução e treinos conjuntos com forças estrangeiras nos Estados Unidos, em França e na Argélia. O treino e formação dados no C.I.O.E. constava de:

  • Educação física e ginástica de aplicação militar;

  • Marcha (com equipamento completo) de 10, 20 e 30 quilómetros;

  • Natação (em rio e condições adversas);

  • Construção e operação de jangadas (com material recolhido no terreno e de construção improvisada - troncos, reservatórios de combustível, etc.);

  • Construção de pontes com troncos e cordas;

  • Passagem de cursos de água com sistemas de cordas e roldanas para transporte de pessoal e equipamento;

  • Topografia, cartografia, orientação (bússola, astros);

  • Tiro com diversos tipos de armas (pistola, pistola-metralhadora, espingarda, metralhadora, metralhadora pesada, bazooka, morteiro ligeiro). Tiro Instintivo e Apoiado em carreira de tiro e em campo contra alvos fixos e alvos móveis (balões e figuras de madeira);

  • Montagem e desmontagem de todo o armamento (por vezes com olhos vendados);

  • Luta, compreendendo boxe, judo e práticas de luta corpo a corpo de aplicação militar;

  • Operação de sistemas de comunicação Rádio, montagem e suporte de antenas associadas;

  • Explosivos, Minas e Armadilhas, compreendo conhecimento teórico e operacional de explosivos (TNT, explosivo plástico 404), cordões de rastilho, cordões detonantes, detonadores pirotécnicos e eléctricos. Prática de campo na construção e uso de armadilhas improvisadas e artesanais;

  • Formação teórica avançada sobre guerra subversiva, acção psicológica, acção social e acção presença;

  • Treinos de mobilidade avançada compreendendo descidas em "rappel" a partir de uma torre através de um cabo de aço esticado até a uma viatura pesada, saltos de viatura de transporte em andamento com equipamento completo e arma, rastejar e negociar obstáculos como arame farpado, fossos de lama e esgoto.

  • Formação teórica e operacional em táctica de luta anti-guerilha: "golpes de mão" (manobra de envolvimento a um objectivo com as foras a progredir de volta "a cercar" seguindo o plano estabelecido pelos cinco dedos de uma mao aberta sobre uma carta), emboscadas, operações de batida e limpeza, patrulhamento e reconhecimento ofensivos, etc.

  • Primeiros Socorros em Combate

Todos estes elementos foram posteriormente incorporados no "Centro de Instrução Básica" do Regimento de Infantaria n.º 10 em Aveiro (Portugal), sendo organizados como a Companhia de Caçadores n.º 63 deste mesmo Regimento. Uma vez completa a instrução básica (recruta) de 4 meses dos seus vários elementos os mesmos são mobilizados para o Ultramar, para comissão de serviço em Angola, onde, por sua vez, a unidade passaria a ser identificada como a 4.ª Companhia de Caçadores Especiais (4.ª C.C.E.), estacionada em Luanda e juntando-se assim às três outras Companhias de Caçadores Especiais já estacionadas em Cabinda, no Toto e em Malange.

A preparação dos elementos que não passaram pelo C.I.O.E. de Lamego teve lugar em Luanda em moldes congéneres aos descritos e minstrada pelos Oficiais e Sargentos que fizeram parte da formação e treino iniciais, agora com melhor adequação ao terreno e envolventes reais das operações de luta anti-guerilha a desempenhar.

A maioira dos elementos da 4.ª C.C.E., em particular Praças e Cabos, eram oriundos da região de Aveiro (Portugal) - Murtosa, Estarreija, Águeda e São João da Madeira. Oficiais, Sargentos e um grupo restrito de Praças e Cabos (entre estes últimos o autor), eram oriundos de diversas regiões de Portugal. Desta forma, a maioria dos elementos da unidade já se conheciam por proximidade e afinidade regional.

O nível médio de habilitações literárias seguia o padrão nacional da época, com a maioria dos Cabos e Praças a possuirem a 4.a classe. As profissões de origem eram bastante diversas: agricultores, pescadores, motoristas, mecânicos (profissão então exercida pelo autor), empregados comerciais e industriais, etc.

 


Capítulo 2
Viagem e Destino


A 4.ª C.C.E. partiu de Lisboa, Portugal,  para Luanda, Angola, em 24 de Agosto de 1960 a bordo do navio de carga e passageiros "Timor" cujo porão fora modificado para garantir as condições necessárias as tranporte da Companhia. O regresso teria lugar no paquete "Vera Cruz" no dia 2 de Agosto de 1962.

Angola ocupa uma superfície de aprox. 1 milhão e 250 mil quilómetros quadrados (equivalente, sensivelmente a 14 vezes o tamano do território de Portugal Continental), com uma fronteira terrestre que se extende por 4.960 quilómetros e uma fronteira marítima que se estende por 1.556 quilómetros. Era na época dividida em 13 Distritos: Luanda, Cabinda, Congo, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Malange, Lunda, Benguela, Huambo, Bié-Luando-Cubango, Moxico, Huíla e Moçâmedes.

A 4.ª C.C.E. chegou a Luanda, capital de Angola, tendo ficado instalada nos aquartelamentos do Regimento de Infantaria de Luanda. Este mesmo regimento era composto na esmagadora maioria por militares nativos, com pouco mais de 60-100 efectivos oriundos da metrópole. Em inícios de 1958 existiam em Angola cerca de 1.000 efectivos militares sendo, em meados de 1960, esse número na ordem dos 8.000 dos quais mais de 5.000 seriam tropas nativas.

 


Capítulo 3
Serviços de Informações


Elementos civis e da PIDE (Polícia de Investigação e Defesa do Estado) forneciam informações em função das quais a 4.ª C.C.E. era envolvida em rusgas sobre sanzalas e muceques (comunidades civis) em redor de Luanda, tais como Rangel, Lixeira, Prenda, Operário, Calema e Ilha, entre outras. Os moradores desses locais eram levados para largos junto dos mesmos e sentados no chão. Dentro de carrinhas estavam informadores que, através de visores e garantido o seu anonimato e segurança, indicavam via rádio quais os presentes que não seriam efectivamente moradores da comunidade civil em causa. Estes elementos suspeitos, uma vez triados e identificados, eram transportados em camionetas do local para as instalações dos Serviços de Informações onde eram interrogados. Deste processo resultavam por vezes informações e denúncias sobre a localização e organização de movimentos de guerilha ou de acções terroristas. Estas mesmas informações eram classificadas por zonas e distribuidas conforme.

O contacto com as populações revestia-se de uma importância fundamental, não só numa perspectiva de demonstração de força pela presença "próxima" dos efectivos militares (numa perspectiva de patrulha e controlo apertados), mas também para, fruto de um relacionamento social, obter informações sobre elementos e movimentações da guerilha. Paralelamente eram prestados serviços de assistência médica à comunidade, ensino básico do português (ler e escrever), apoio e construção de novas habitações ou recuperação das existentes, formação sobre auto-defesa das comunidades civis face a infiltrações e ataques da guerrilha, esclarecimento sobre formas de comunicarem e partilharem problemas e informações junto dos militares, etc.

 


Capítulo 4
Em campanha 
( Meios e Tácticas )


O transporte da Companhia era feito tendo por base jipes Willys MB 4x4 mod. 1944, "jipões" Dodge 4x4 mod. 1948 , camiões GMC 6x6 mod. 1952 e Ford mod. Canada 4x4 (rodado simples). Esta última viatura possuia no tejadilho da cabine, sobre o local ao lado do condutor, uma abertura circular na qual se podia colocar em operação uma metralhadora.

Normalmente o dispositivo operacional em campanha assentava numa organização por Secções ou Pelotões com incursões apeadas a partir de pontos a vários quilómetros de distância do terreno de acção (normalmente com deslocações feitas durante a noite). Pontualmente e face à disponibilidade de meios e adequação operacional, no caso de existir pista de aterragem nas proximidades do local de destino, o transporte era feito por via aérea, num Nord Atlas que se encontrava estacionado no aeroporto de Luanda em estado de prevenção. Na época existiam poucos helicopteros estando os mesmos afectos à evacuação e transporte de emergência de feridos em combate.

Em algumas das viaturas foram instaladas protecções em chapa de aço de 10 mílimetros desenhadas e colocadas pelo pessoal da Companhia. Estas protecções foram arquitectadas após, num decurso de uma operação de patrulha, a viatura que liderava a mesma ter sido atingida por violento tiroteio ferindo o condutor com alguma gravidade e danificando a viatura (perfuração do radiador).

Todos os Oficiais assumiam a responsabilidade directa pelos seus Pelotões, sendo que todos eles participavam directa e activamente nas acções de patrulha, reconhecimento, golpes de mão, batidas, emboscadas, etc. A 4.ª C.C.E. era composta por:

  • (4.ª) Companhia de Caçadores Especiais
    1 Capitão, Comandante da Companhia

  • 1 Secção de Lança-Granadas Foguete
    1 Sargento, Comandante de Secção,
    2 Cabos
    7 Praças
    (10 elementos)

  • 1 Secção de Morteiros Ligeiros de 60 mm
    1 Sargento, Comandante de Secção,
    2 Cabos
    7 Praças
    (10 elementos)

  • 1 Secção de Metralhadoras
    1 Sargento, Comandante de Secção,
    2 Cabos
    9 Praças
    (12 elementos)

  • 3 Pelotões de Caçadores
    cada pelotão era composto por:
    1 Oficial (Alferes)
    4 Sargentos
    8 Cabos
    19 Praças
    (3 x 31 elementos)

  • 1 Secção de Alimentação e Reabastecimento
    1 Sargento
    3 Cabos
    5 Praças
    (9 elementos)

  • 1 Secção de Manutenção Automóvel
    1 Sargento
    1 Cabo
    1 Praça
    (3 elementos)

  • 1 Secção de Cães de Guerra
    1 Furriel
    (1 elemento)

  • 1 Secção de Serviços Médicos e Sanitários
    1 Oficial (Médico)
    1 Furriel (Enfermeiro)
    3 Cabos (Enfermeiros)
    2 Praças (Condutores Auto)
    (7 elementos)

  • 1 Secção de Foto Cine (Fotografia e Cinema)
    2 Cabos
    (2 elementos)

Aquando da Operação Pedra Verde , em 26 de Julho de 1961, a Companhia foi reforçada com 1 Pelotão de Batedores ("Guias"), naturais de Angola. Este Pelotão, além dos efectivos como batedores, possuia ainda 1 Secção de "Bazookas". Este reforço permanceria com a Companhia até Agosto de 1962.

 


Capítulo 5
O Inimigo

Numa fase inicial os guerilheiros (também comumente designados à luz da "expressão oficial" da época por "terroristas") estavam mal equipados , sendo que as armas de que dispunham passavam por "catanas" bem afiadas (ferramenta de trabalho para corte de capim, cana de açúcar e arbustos, de lâmina larga e comprida, composta por cabo de madeira e lâmina de ferro temperado, curva na extremidade,  variando entre os  6 a 10 cms de largo e os 30 a 50 cms de comprido), lanças, zagaias, flechas, algumas espingardas e carabinas (tipicamente roubadas a fazendeiros) e "canhangulos" (espingardas artesanais compostas por uma coronha de madeira e um cano de ferro comprido - por vezes tubos de canalização, que eram carregadas pela boca com pólvora e projecteis vários) usados tipicamente para caça pelos nativos - ao usarem como projecteis pedaços de metal e sucata (parafusos, restos de ferramentas partidas, etc.) o efeito destruidor desta arma a curta distância era apreciável e temido, provocando ferimentos dilacerantes de grande gravidade. Eram também usados mosquetes, do século XIX (ou de fabrico "doméstico" contemporâneo), municiados com pólvora preta e projecteis de recurso - também de carregamento pela boca.

Numa fase posterior o equipamento usado alterou-se substancialmente. Aquando da Operação Pedra Verde foi possível verificar que os guerilheiros usavam não só os referidos "canhangulos", mosquetes e "catanas" mas também espingardas automáticas e semi-automáticas de fabrico soviético bem como coordenação baseada em meios rádio.



 


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