Anotações
históricas sobre a 4.a CCE, por Manuel da Graça Mateus, editado
originalmente em
Dezembro de 2000 (c). Edições menores por P. Mateus em Junho de 2011.
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Capítulo 1
Formação e Treino
Capítulo 2
Viagem e Destino
Capítulo 3
Serviços de Informações
Capítulo 4
Em campanha ( Meios e Tácticas )
Capítulo 5
O Inimigo
Capítulo 1
Formação e Treino
A formação da 4.ª C.C.E. iniciou-se em Lamego,
1960, no
Centro de Instrução de Operações Especiais,
C.I.O.E. (centro que mantêm actualmente a designação,
funções e localização geográfica). Lamego é uma localidade do Norte de
Portugal, localizada junto à Serra do Marão e na vizinhança do Rio Douro e do
Rio Balsemão, cobrindo actualmente cerca de 151 quilómetros quadrados e com
uma população de aproximadamente 30 mil habitantes.
[ Guia-Roteiro de Lamego produzido e distribuído pela CIOE em Julho de 1960,
10 páginas, PDF,
aprox. 3,8 MB >> ]
A instrução durou cerca de 40 dias tendo enquadrado apenas Oficiais e
Sargentos e um grupo restrito de apenas 6 Praças e Cabos. Os restantes
elementos da 4.ª C.C.E. só viriam a receber formação em Luanda, Angola. Os
instrutores do C.I.O.E. eram Oficiais e Sargentos com formação obtida além
fronteiras e conhecedores das envolventes da luta anti-guerilha, com passagem
prolongada por centros de instrução e treinos conjuntos com forças
estrangeiras nos Estados Unidos, em França e na Argélia. O treino e formação
dados no C.I.O.E. constava de:
-
Educação física e ginástica de
aplicação militar;
-
Marcha (com equipamento completo) de 10, 20 e
30 quilómetros;
-
Natação (em rio e condições adversas);
-
Construção e operação de jangadas (com
material recolhido no terreno e de construção improvisada - troncos,
reservatórios de combustível, etc.);
-
Construção de pontes com troncos e cordas;
-
Passagem de cursos de água com sistemas de
cordas e roldanas para transporte de pessoal e equipamento;
-
Topografia, cartografia, orientação
(bússola, astros);
-
Tiro com diversos tipos de armas (pistola,
pistola-metralhadora, espingarda, metralhadora, metralhadora pesada,
bazooka, morteiro ligeiro). Tiro Instintivo e Apoiado em carreira de tiro e
em campo contra alvos fixos e alvos móveis (balões e figuras de madeira);
-
Montagem e desmontagem de todo o armamento
(por vezes com olhos vendados);
-
Luta, compreendendo boxe, judo e práticas de
luta corpo a corpo de aplicação militar;
-
Operação de sistemas de comunicação
Rádio, montagem e suporte de antenas associadas;
-
Explosivos, Minas e Armadilhas, compreendo
conhecimento teórico e operacional de explosivos (TNT, explosivo plástico
404), cordões de rastilho, cordões detonantes, detonadores pirotécnicos e
eléctricos. Prática de campo na construção e uso de armadilhas
improvisadas e artesanais;
-
Formação teórica avançada sobre guerra
subversiva, acção psicológica, acção social e acção presença;
-
Treinos de mobilidade avançada compreendendo
descidas em "rappel" a partir de uma torre através de um cabo de
aço esticado até a uma viatura pesada, saltos de viatura de transporte em
andamento com equipamento completo e arma, rastejar e negociar obstáculos
como arame farpado, fossos de lama e esgoto.
-
Formação teórica e operacional em táctica
de luta anti-guerilha: "golpes de mão" (manobra de envolvimento a
um objectivo com as foras a progredir de volta "a cercar" seguindo
o plano estabelecido pelos cinco dedos de uma mao aberta sobre uma carta),
emboscadas, operações de batida e limpeza, patrulhamento e reconhecimento
ofensivos, etc.
-
Primeiros Socorros em Combate
Todos estes elementos foram posteriormente
incorporados no "Centro de Instrução Básica" do Regimento de
Infantaria n.º 10 em Aveiro (Portugal), sendo organizados como a Companhia de
Caçadores n.º 63 deste mesmo Regimento. Uma vez completa a instrução básica
(recruta) de 4 meses dos seus vários elementos os mesmos são mobilizados para
o Ultramar, para comissão de serviço em Angola, onde, por sua vez, a unidade
passaria a ser identificada como a 4.ª Companhia de Caçadores Especiais (4.ª
C.C.E.), estacionada em Luanda e juntando-se assim às três outras Companhias de Caçadores Especiais já
estacionadas em Cabinda, no Toto e em Malange.
A preparação dos elementos que não passaram pelo C.I.O.E. de Lamego teve
lugar em Luanda em moldes congéneres aos descritos e minstrada pelos Oficiais e
Sargentos que fizeram parte da formação e treino iniciais, agora com melhor
adequação ao terreno e envolventes reais das operações de luta anti-guerilha
a desempenhar.
A maioira dos elementos da 4.ª C.C.E., em particular Praças e Cabos, eram
oriundos da região de Aveiro (Portugal) - Murtosa, Estarreija, Águeda e São
João da Madeira. Oficiais, Sargentos e um grupo restrito de Praças e Cabos
(entre estes últimos o autor), eram oriundos de diversas regiões de Portugal.
Desta forma, a maioria dos elementos da unidade já se conheciam por proximidade
e afinidade regional.
O nível médio de habilitações literárias seguia o padrão nacional da
época, com a maioria dos Cabos e Praças a possuirem a 4.a classe. As
profissões de origem eram bastante diversas: agricultores, pescadores,
motoristas, mecânicos (profissão então exercida pelo autor), empregados
comerciais e industriais, etc.
Capítulo 2
Viagem e Destino
A 4.ª C.C.E. partiu de Lisboa, Portugal, para Luanda, Angola, em 24 de
Agosto de 1960 a bordo do navio de carga e passageiros
"Timor"
cujo porão fora modificado para garantir as condições necessárias as
tranporte da Companhia. O regresso teria lugar no paquete
"Vera
Cruz" no dia 2 de Agosto de 1962.
Angola ocupa uma superfície de aprox. 1 milhão e 250 mil quilómetros
quadrados (equivalente, sensivelmente a 14 vezes o tamano do território de
Portugal Continental), com uma fronteira terrestre que se extende por 4.960
quilómetros e uma fronteira marítima que se estende por 1.556 quilómetros.
Era na época dividida em 13 Distritos: Luanda, Cabinda, Congo, Cuanza-Norte,
Cuanza-Sul, Malange, Lunda, Benguela, Huambo, Bié-Luando-Cubango, Moxico,
Huíla e Moçâmedes.
A 4.ª C.C.E. chegou a Luanda, capital de Angola, tendo ficado instalada nos
aquartelamentos do Regimento de Infantaria de Luanda. Este mesmo regimento era
composto na esmagadora maioria por militares nativos, com pouco mais de 60-100
efectivos oriundos da metrópole. Em inícios de 1958 existiam em Angola cerca
de 1.000 efectivos militares sendo, em meados de 1960, esse número na ordem dos
8.000 dos quais mais de 5.000 seriam tropas nativas.
Capítulo 3
Serviços de Informações
Elementos civis e da PIDE (Polícia de
Investigação e Defesa do Estado) forneciam informações em função das
quais a 4.ª C.C.E. era envolvida em rusgas sobre sanzalas e muceques
(comunidades civis) em redor de Luanda, tais como Rangel, Lixeira, Prenda,
Operário, Calema e Ilha, entre outras. Os moradores desses locais
eram levados
para largos junto dos mesmos e sentados no chão. Dentro de carrinhas estavam
informadores que, através de visores e garantido o seu anonimato e segurança,
indicavam via rádio quais os presentes que não seriam efectivamente moradores
da comunidade civil em causa. Estes elementos suspeitos, uma vez triados e
identificados, eram transportados em camionetas do local para as instalações
dos Serviços de Informações onde eram interrogados. Deste processo resultavam
por vezes informações e denúncias sobre a localização e organização de
movimentos de guerilha ou de acções terroristas. Estas mesmas informações
eram classificadas por zonas e distribuidas conforme.
O contacto com as populações revestia-se de uma importância fundamental, não
só numa perspectiva de demonstração de força pela presença
"próxima" dos efectivos militares (numa perspectiva de patrulha e
controlo apertados), mas também para, fruto de um relacionamento social, obter
informações sobre elementos e movimentações da guerilha. Paralelamente eram
prestados serviços de assistência médica à comunidade, ensino básico do
português (ler e escrever), apoio e construção de novas habitações ou
recuperação das existentes, formação sobre auto-defesa das comunidades civis
face a infiltrações e ataques da guerrilha, esclarecimento sobre formas de
comunicarem e partilharem problemas e informações junto dos militares, etc.
Capítulo 4
Em campanha
( Meios e Tácticas )
O transporte da Companhia era feito tendo por base
jipes Willys MB 4x4 mod. 1944,
"jipões" Dodge 4x4 mod.
1948 , camiões GMC 6x6 mod. 1952 e Ford mod. Canada 4x4 (rodado
simples). Esta última viatura possuia no tejadilho
da cabine, sobre o local ao lado do condutor, uma abertura circular na qual se
podia colocar em operação uma metralhadora.
Normalmente o dispositivo operacional em campanha assentava numa organização
por Secções ou Pelotões com incursões apeadas a partir de pontos a vários
quilómetros de distância do terreno de acção (normalmente com deslocações
feitas durante a noite). Pontualmente e face à disponibilidade de meios e
adequação operacional, no caso de existir pista de aterragem nas proximidades
do local de destino, o transporte era feito por via aérea, num Nord Atlas
que se encontrava estacionado no aeroporto de Luanda em estado de prevenção.
Na época existiam poucos helicopteros estando os mesmos afectos à evacuação
e transporte de emergência de feridos em combate.
Em
algumas das viaturas foram instaladas protecções em chapa de aço de 10
mílimetros desenhadas e colocadas pelo pessoal da Companhia. Estas protecções
foram arquitectadas após, num decurso de uma operação de patrulha, a viatura
que liderava a mesma ter sido atingida por violento tiroteio ferindo o condutor
com alguma gravidade e danificando a viatura (perfuração do radiador).
Todos os Oficiais assumiam a responsabilidade directa pelos seus Pelotões,
sendo que todos eles participavam directa e activamente nas acções de
patrulha, reconhecimento, golpes de mão, batidas, emboscadas, etc. A 4.ª
C.C.E. era composta por:
-
(4.ª) Companhia de Caçadores Especiais
1 Capitão, Comandante da Companhia
-
1 Secção de Lança-Granadas Foguete
1 Sargento, Comandante de Secção,
2 Cabos
7 Praças
(10 elementos)
-
1 Secção de Morteiros Ligeiros de 60 mm
1 Sargento, Comandante de Secção,
2 Cabos
7 Praças
(10 elementos)
-
1 Secção de Metralhadoras
1 Sargento, Comandante de Secção,
2 Cabos
9 Praças
(12 elementos)
-
3 Pelotões de Caçadores
cada pelotão era composto por:
1 Oficial (Alferes)
4 Sargentos
8 Cabos
19 Praças
(3 x 31 elementos)
-
1 Secção de Alimentação e Reabastecimento
1 Sargento
3 Cabos
5 Praças
(9 elementos)
-
1 Secção de Manutenção Automóvel
1 Sargento
1 Cabo
1 Praça
(3 elementos)
-
1 Secção de Cães de Guerra
1 Furriel
(1 elemento)
-
1 Secção de Serviços Médicos e Sanitários
1 Oficial (Médico)
1 Furriel (Enfermeiro)
3 Cabos (Enfermeiros)
2 Praças (Condutores Auto)
(7 elementos)
-
1 Secção de Foto Cine (Fotografia
e Cinema)
2 Cabos
(2 elementos)
Aquando da
Operação Pedra Verde , em 26 de
Julho de 1961, a Companhia foi reforçada com 1 Pelotão de Batedores
("Guias"), naturais de Angola. Este Pelotão, além dos efectivos como
batedores, possuia ainda 1 Secção de "Bazookas". Este reforço
permanceria com a Companhia até Agosto de 1962.
Capítulo 5
O Inimigo
Numa fase inicial os guerilheiros (também
comumente designados à luz da "expressão oficial" da época por
"terroristas") estavam mal equipados , sendo que as armas de que
dispunham passavam por "catanas" bem afiadas (ferramenta de
trabalho para corte de capim, cana de açúcar e arbustos, de lâmina larga e
comprida, composta por cabo de madeira e lâmina de ferro temperado, curva na
extremidade, variando entre os 6 a 10 cms de largo e os 30 a 50 cms
de comprido), lanças, zagaias, flechas, algumas espingardas e carabinas
(tipicamente roubadas a fazendeiros) e "canhangulos"
(espingardas artesanais compostas por uma coronha de madeira e um cano de
ferro comprido - por vezes tubos de canalização, que eram carregadas pela boca
com pólvora e projecteis vários) usados tipicamente para caça pelos nativos -
ao usarem como projecteis pedaços de metal e sucata (parafusos, restos de
ferramentas partidas, etc.) o efeito destruidor desta arma a curta distância
era apreciável e temido, provocando ferimentos dilacerantes de grande
gravidade. Eram também usados mosquetes, do século XIX
(ou de fabrico "doméstico" contemporâneo),
municiados com pólvora preta e projecteis de recurso - também de carregamento
pela boca.
Numa fase posterior o equipamento usado alterou-se substancialmente. Aquando da
Operação Pedra Verde
foi possível verificar que os guerilheiros usavam não só os referidos
"canhangulos", mosquetes e "catanas" mas também espingardas
automáticas e semi-automáticas de fabrico soviético bem como coordenação
baseada em meios rádio.
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