4.ª Companhia de Caçadores Especiais - 4 CCE
Angola, 1960-1962


"Operação Cassange"
- Relatos, fotos, mapas, diagramas e relatórios operacionais da 4CCE




John P. Cann
" Membro Associado da Academia de Marinha, da Classe de História Marítima, investigador e Membro-adjunto do Instituto de Análise da Defesa, Scholar in Residence na Universidade de Virgínia-EUA e Professor aposentado da Marine Corps University. Doutorou-se em 1996 no King’s College, Londres. É Capitão-de-mar-e-guerra aposentado e piloto-naval especializado em aviação de reconhecimento marítimo. Desempenhou diferentes funções, inclusive de comando, na Força Aérea da US Navy e serviu no Gabinete do Chefe do Estado-Maior da Armada e no Gabinete da Secretaria da Defesa. Em 2005 publicou a obra Contra-Subversão em África (Prefácio), e em 2009 a obra A Marinha em África (Prefácio). "

in Revista Militar
n.º 2508, Janeiro de 2011


por John P. Cann in Revista Militar n.º 2508 de Janeiro de 2011

" Baixa do Cassange
O catalisador que levou
à correcção de um erro "


Por Professor John P. Cann

Tradução para publicação original pelo Major-general Renato F. Marques Pinto
Tradução profusamente corrigida e editada por P. Mateus em Junho de 2012

Original em língua inglesa >>


" Em 4 de Janeiro de 1961, na Baixa do Cassange, norte de Angola, os negros que trabalhavam nos campos de algodão iniciaram uma greve e lançaram a que foi chamada “Guerra da Maria”, do nome de um dos instigadores, António Mariano. Os protestos no velho Reino do Cassange tiveram origem na resistência à administração colonial, o que levou a acções de pacificação até ao Outono de 1911, quando a população capitulou e a oposição caiu “como uma pêra madura” no dizer de René Pélissier [1].

Todavia, os ressentimentos não desapareceram desde tal ponto e, como refere o General Fernando Pinto de Resende, Comandante da 2ª Região Aérea, a propósito da obstinação das autoridades, “a inconsciência tem sido tal que não se tomaram em consideração as características dominadoras e guerreiras da tribo dos Maholos, habitantes da Baixa de Cassange, que já quando da pacificação portuguesa do século passado se revelaram elementos dificilmente domináveis e extremamente perigosos. Fizemos deles agricultores de algodão, claro que à força, e agora estamos nós a bombardeá-los do céu” [2].

A cultura obrigatória do algodão foi introduzida em Angola em Março de 1947, quando a Companhia Geral dos Algodões de Angola, um consórcio luso-belga criada em 1926 e conhecida por Cotonang, conseguiu uma concessão na vasta zona a Leste e Oeste de Malange cobrindo uns 80.000 Km quadrados [3]. Outra firma, mais recente, a Lagos & Irmão, foi também concessionária na zona da extensa planície ao longo do rio Cuango conhecida pelos portugueses como Baixa do Cassange. Resende refere-se a elas como “os dois grandes domínios monopolistas ["trusts"] dos senhores feudais do algodão” [4]. A lucrativa economia do algodão na região era baseada no cultivo obrigatório, organizado sobre recrutamento forçado, que produzia cerca de 5.000 toneladas por ano [5]. Os agricultores africanos, uns 150.000 em 35.000 famílias, eram coagidos a cultivar o algodão em parcelas de terreno designadas [6]. Não havia salários para este trabalho e no final de cada campanha os africanos eram obrigados a vender o algodão à Cotonang e à Lagos & Irmão, a preços fixos, abaixo dos do mercado, num valor 5 a 6 vezes menor do que o preço mundial[7].

O risco das colheitas era assumido involuntariamente pelos trabalhadores coagidos, que passariam fome se as colheitas falhassem e sobreviviam à justa se tivessem sucesso. As companhias concessionárias não tinham riscos e compravam o algodão aos produtores com uma margem generosa. Noutras empresas semelhantes, como a Companhia de Diamantes de Angola (DIAMANG), os trabalhadores ganhavam um salário abaixo do de subsistência e os accionistas obtinham resultados extraordinários pelo seu investimento. Muitos destes nem sequer conseguiam identificar Angola no mapa [8].

Como Resende escreve “a cultura do algodão é uma exploração infame dos indígenas e, portanto, geradora do maior antagonismo para com este tipo de trabalho obrigatório (400$00 por ano nas áreas piores... para o agricultor; quando têm o infortúnio e perdem a cultura toda, casos esses que se verificam, recebem zero por um ano de trabalho). Este é apenas um exemplo das muitas vilanagens que a tribo branca faz à tribo negra” [9].

Africanos uniformizados, recrutados do Exército, asseguravam que os agricultores, coagidos, trabalhavam e produziam apenas algodão [10]. Não lhes era permitido produzir alimentos para as famílias nas áreas designadas para cada agricultor; quando a terra estava exausta, e, à medida que os terrenos ficavam esgotados pela cultura intensiva, eram obrigados a deslocar-se para zonas cada vez mais longe das suas habitações. Esta distância podia ir até 50 milhas [ 80 Km ] [11]. Este sistema de servidão criava um ambiente de revolta, visto que o povo vivia, de facto, em condições de absoluta miséria material e moral [12]. Como Resende escreve ainda: “O Governador [General Venâncio Augusto Deslandes] é o inimigo nº 1 deste sistema, quer acabar com ele mas ainda não conseguiu. Em Moçambique é ainda pior!… Os chefes agitadores conhecem tudo isto muito bem e dão prioridade à conquista e conversão política das populações nestas áreas. A Lunda deve, mais ainda, ser também um dos objectivos visados, tal como aos diamantes”[13].

Os protestos locais datam de 1927 e a partir daí desenvolveram-se vários movimentos. Entre estes salienta-se a religião sincrética ou composta designada Quimbangismo, fundada por Simão Quimbango (Simon Kimbangi) em 1921 no Congo Belga e que ganharia raízes na Baixa do Cassange nos fins da década de 1950. De acordo com John Marcum foi uma saída para as emoções de um povo reprimido; e uma mistura de Cristianismo e de práticas animistas [14]. As suas pregações eram tiradas de passagens da Bíblia ligadas ao protesto e à revolta. Foi considerada subversiva e banida pelo Governo [15].

Quando Mariano deixou Malange em 1959, passou a fronteira para o Congo e tornou-se condutor da viatura de um chefe local, Kizamba dos Maholos e muitas vezes guiou até Leopoldville, onde entrou em contacto com a UPA (União das Populações de Angola). Voltando para Malange em Dezembro de 1960 e, com o seu carisma pessoal, um pouco de Quimbanguismo e a doutrina nacionalista da UPA, tornou-se o líder dum movimento de "protesto-profético" conhecido simplesmente por “Maria”. Era uma espécie de evangelismo nacionalista com a queima de incenso e a magia da “água de Maria” que, quando salpicada nos africanos, num "baptismo miraculoso", os fazia pensar serem invulneráveis às balas portuguesas [16].

Juntamente com a acção de Mariano, tinham também lugar as actividades do PSA (Parti Solidaire African, Partido da Solidariedade Africana), um movimento político fundado em 1959, no Congo Belga, para defender a independência seguindo doutrinas comunistas, hostil ao Ocidente e à presença de Europeus em África. Incitava à violência e às ameaças, ganhando preponderância sobre os outros partidos congoleses. Quando o Congo se tornou independente em Junho de 1960, a acção de PSA estendeu-se a Angola, nos distritos de Malange e Lunda, especialmente nas povoações de Canaxilo, Lubalo, Milando e Tembo Aluma, nas proximidades da fronteira formada pelo Rio Cuango.

Já muito depois da crise ter passado, as autoridades portugueses viriam a apurar, através da captura de documentos e de interrogatórios a prisioneiros, que a revolta tinha sido planeada por agentes maholos do PSA, infiltrados na fronteira, e ajudados por companheiros maholos do lado Português [17]. O PSA advogava a resistência contra os portugueses, através da recusa ao trabalho e ao pagamento de impostos, entre outras coisas. Assim o proselitismo de Mariano caiu em terreno preparado [18].

Havia duas questões determinantes que os agentes do PSA usaram para criar animosidade entre a população local na Baixa do Cassange e as autoridades portuguesas. A primeira era a divisão dos maholos, porque, como sucedia em muitas partes de África, o povo era dividido pelas fronteiras internacionais - no caso, entre Angola e o Congo Belga. Quando o Congo se tornou independente em 1960, alguns dos maholos passaram a ser “independentes” e outros eram "dependentes" de Portugal. Esta diferença era salientada pelo PSA como uma tirania e uma injustiça. A outra era a velha ideia de que o Reino do Congo devia ser restabelecido. Este “sonho” maholo envolvia a anexação da Baixa do Cassange e de partes do distrito de Malange numa nova entidade “independente”, essencialmente um subterfúgio para a anexação pela nova República do Congo [19].

Os primeiros meses da independência do Congo foram caóticos e as autoridades portugueses acreditavam que elementos descontrolados do PSA estariam a criar agitação na Baixa do Cassange, por ser pouco provável que o frágil governo do Presidente Josehp Kasavubu pudesse patrocionar uma hostilidade aberta com os estados vizinhos, mesmo que discordasse das suas políticas. Agentes do PSA, aparentemente actuando de forma independente, viram a oportunidade de explorar a revolta da Baixa de Cassagne, para conseguirem alguma vantagem anti-colonial e a possível anexação duma parte de Angola pelo seu novo país. A origem das reivindicações eram o cultivo obrigatório do algodão, o escandaloso abuso das leis laborais e a sua exploração pelas companhias algodoeiras.

Prometendo ao povo uma vida tentadoramente fácil, tal como tinham feito os agentes da PSA no Congo Belga, agora incitavam à revolta e à expulsão da população europeia e das autoridades portuguesas, por forma a atingirem os objectivos do PSA [20]. Em consequência, as populações locais destruíram as suas plantações e mataram o gado, porque já não seriam necessários. Depois da “independência” as pessoas apenas teriam de se coçar para ter tudo o que necessitavam. Os agentes do PSA na região, conhecidos por pessis, também encorajaram o povo a destruir os documentos de identificação portugueses, a não cumprir qualquer ordem dada pelos portugueses, a obedecer só a Kasabuvu. Como já se referiu parece pouco provável que Kasabuvu tivesse conhecimento do que se passava na Baixa do Cassange ou que o seu nome estava a ser invocado pelos pessis [21].

A revolta começou nos últimos meses de 1960 e, quando chegou a época da plantação em Janeiro, muitos dos trabalhadores queimaram as sementes, deixaram as ferramentas agrícolas à beira das estradas e juntaram-se à quase religiosa cruzada para a sua visão de independência. Estes protestos contra a Cotonang, Lagos & Irmão e os opressores do Governo, manifestaram-se com a destruição de jangadas e batelões nas travessias dos rios Cambo, Lui e Cuango e de pontes no Luando e no Lui; e pelas barricadas em várias estradas, a morte de gado, o assalto a lojas e missões católicas; e o hostilizar dos europeus [22]. Os protestos iniciaram-se à volta de Tembo Aluma, na proximidade do posto administrativo de Mangano e espalharam-se desta zona fronteiriça até ao coração do distrito de Malange.

À medida que os protestos ganhavam maior volume, a Cotonang e a Lagos & Irmão exerceram pressão sobre o Governo em Luanda para o envio de tropas para pacificar a região e abrir os principais itinerários [23]. Porque a estação das chuvas, de Outubro a Março, tinha transformado as estradas em lamaçais, este último pedido era académico. Foi decidido enviar alguns pelotões da 4ª Companhia de Caçadores Especiais (CCE) para reforçar a 3ª CCE em Malange, e que seriam apoiados por meios aéreos da Força Aérea Portuguesa (FAP) para reconhecimento e acções de fogo.

Em 11 de Janeiro de 1961, a 3ª CCE, sob o comando do Capitão Manuel Augusto Teixeira Teles Grilo, enviou uma patrulha desde o seu quartel-general em Malange rumo a Milando, onde chegou na madrugada do dia 12. Continuando o movimento para Ganga Mexita, a cerca de 5 km de Milando, a patrulha encontrou um grupo de cerca de 200 nativos, armados com catanas e canhangulos [24]. As intenções pacíficas da força foram dadas a conhecer aos nativos revoltosos, vindo três elementos falar com o comandante da patrulha, ao qual explicaram a sua situação. No dia seguinte a patrulha voltou com um representante da Cotonang mas a povoação estava abandonada. No dia 22 idênticas rebeliões ocorreram em Tembo-Aluma e, depois, em Cunda-Ria-baza, Quela, Mavimba e Xá-Muteba (ver Mapa 1). A revolta agora incluía as etnias Bângala e Maholo, que tinham sido muito influenciadas pelo PSA [25]. Embora Milando estivesse aparentemente calma, foi para lá destacada uma secção de atiradores. A 3ª CCE passou a patrulhar intensivamente as regiões da fronteira, estendendo-se para o distrito da Lunda até Camaxilo, para determinar mais claramente a extensão da rebelião.

A situação na Baixa do Cassange piorava de dia para dia. A 1 de Fevereiro mais de um milhar de africanos concentraram-se na área de Cunda-Ria-Baza e no dia seguinte os europeus fugiram para Malange. A 3ª CCE foi incapaz de evitar a expansão da revolta ou de conseguir pacificar a região, sendo manifestamente insuficiente para essa função dada a magnitude dos acontecimentos. Foi então constituído um Batalhão Eventual (BE), com o comando em Malange, constituído pela 3ª, 4ª e 5ª CCE [26].

O Comandante de Batalhão, Major Camilo Augusto Miranda Rebocho Vaz, chegou a Malange em 3 de Fevereiro; a 4ª CCE, comandava pelo Capitão Luís Artur Carvalho Teixeira de Morais, chegou a 4 de Fevereiro; e a 5ª CCE, comandada pelo Capitão Rui Alberto Vasques de Mendonça, chegou a 18 de Fevereiro. Rebocho Vaz estabeleceu um plano, denominado Operação Cassange, para restaurar a ordem pública, visando suprimir a revolta na área de Cunda-Ria-Banza, a Norte de Quela, desarmando os grupos amotinados, detendo os chefes e desacreditando-os aos olhos das populações. Foi a primeira operação militar desde várias décadas, pelo que quase tudo eram novidades para as tropas.

No "briefing" na noite da chegada a Malange da 4ª CCE, o comandante do Batalhão informou que o apoio aéreo seria realizado por aviões Auster a partir de Malange, para reconhecimento e reabastecimento ligeiros (lançados sem pára-quedas) e PV-2 Harpoons de Luanda para apoio de fogo e reabastecimentos mais substanciais [27]. Os PV-2, originalmente aviões de reconhecimento marítimo, haviam sido adaptados como “bombardeiros” e armados com metralhadoras de 12.7mm.

O Major informou também que não era possível o contacto rádio entre os meios aéreos e as forças terrestres, porque os rádios eram incompatíveis. Assim as comunicações teriam de ser estabelecidas através de mensagens escritas em pequenas bandeiras brancas, por sinais de código (como na I Guerra Mundial) ou por papéis escritos atados a pedras e lançados dos aviões para terra. O capitão Teixeira de Morais recorda que dificilmente queria acreditar no que ouvia mas, de facto, foram estes os procedimentos adoptados quando o primeiros Harpoon surgiu. Vários dias mais tarde depois o problema foi corrigido com os PV-2 mas os Auster continuaram, ao longo da operação, a usar sistemas da I GM [28].




Mapa 1
Progressão da 3ª e 4ª Companhia de Caçadores Especiais na Baixa do Cassange
Desenho do autor

Quando o plano entrou em execução e a 3ª CCE progredia através de Quela para o rio Cuango, a 9 de Fevereiro, encontrou um grupo de 300 a 400 nativos armados e que tinham cortado a estrada e destruído várias pontes. Era necessário reparar a estrada e as pontes para garantir a linha de comunicação para Malange e poder continuar a progressão por estrada. As razões invocadas para a hostilidade e as destruições eram sempre a “Maria”. Quando recusaram dispersar, apesar dos tiros para o ar, e verificando-se a continuação de atitudes agressivas, foi realizado fogo de auto-defesa de que resultaram 8 mortos e 42 feridos entre os amotinados. Os dias 11 e 12 de Fevereiro foram investidos em reparações, continuando depois a aproximação para Cataxinga e Luremo Muanha, através de Longo. A 23 de Fevereiro as operações da 3ª CCE foram dadas como completas, mas a unidade manteve-se na região em apoio das populações, agora vulneráveis. Depois do acto insensato da destruição do gado, as populações enfrentavam agora a fome e o Governo teve de as apoiar com muitas toneladas de alimentos. Esta operação humanitária, que seria complicada em condições normais, foi mais difícil devido ao estado do tempo e às infra-estruturas destruídas.

Durante a progressão a partir de Quela as tropas da 4ª CCE foram constantemente alvo de insultos e de demonstrações hostis e disruptivas por parte das aglomerações revoltosas. A situação exigia disciplina rigorosa e nervos fortes; quando as viaturas ficavam atascadas nas picadas, o que era frequente, os soldados estavam em situação vulnerável. Este é um risco da realização de operações na estação das chuvas. Como tinha sucedido no itinerário da 3ª CCE, os nativos tinham destruído pontes e pontões sobre os variados cursos de água, isolando as forças. O reabastecimento tornou-se difícil sendo resolvido através de lançamentos a partir dos aviões. A 4ª CCE continuou a encontrar grandes concentrações de nativos hostis, que, compreensivelmente, não mostravam respeito pelas autoridades e menos ainda pela Cotonang e Lagos & Irmão. Os actos de violência estendiam-se agora à destruição das instalações das duas algodoeiras, de entrepostos comerciais e de postos administrativos do Governo [29].

As tropas inicialmente faziam fogos de demonstração, tanto a partir do solo como dos aviões, para desencorajar os revoltosos, mas apenas provocaram mais as multidões, convencidas que eram imunes às balas. A 6 de Fevereiro, em Teca-Ria-Quinda, na estrada a seguir a Quela, a 4ª CCE foi confrontada com uma “fronteira” defendida por um grupo armado de canhangulos. As tropas portuguesas só poderiam passar “com autorização de Kasabuvu”. Na sequência deste confronto, a 4ª CCE interceptou um grupo de várias centenas de homens armados com canhangulos, catanas e armas primitivas. Este grupo dirigiam-se a Quela para expulsar ou matar a população europeia e, depois, provocar um massacre na cidade de Malange. Infelizmente foi necessário usar a força sobre os grupos revoltosos, de que resultaram baixas em ambos os lados[30]. A Companhia teve um morto e quatro feridos e os amotinados sofreram 71 mortos e 41 feridos [31]. Os nativos foram desarmados e convencidos a voltar para as suas aldeias e aí ficar, o que fizeram.

Também no dia 6 de Fevereiro, a FAP interveio pela primeira vez na área, com um PV-2 Harpoon que actuou em bombardeamento em redor da picada seguida pela 4ª CCE, para norte de Quela rumo a Montalegere. Estes meios aéreos vieram da Base Aérea N.º 9 (BA9), em Luanda. O Tenente Carlos Alves pilotou o primeiro Harpoon em missão de apoio em ataque ao solo, bem como em acções subsequentes ao longo do percurso de 64Km de lenta progressão das forças terrestres ao longo do percurso Quela-Cunda-Ria-Baza. A 9 de Fevereiro, Alves ao atacar uma concentração hostil na vizinhança de Marimba, lançando uma bomba de 45 Kg (100 lb), a cerca de 150m (500 pés) de altitude, aparentemente sem espoleta de retardamento, pelo que regressou à base com perfurações de estilhaços em vários pontos da asa e motor esquerdo [32].

Como Resende fez notar, as tripulações de PV-2 não tinham treino para este tipo de missões, pelo que “se identificassem um grande grupo de rebeldes poderiam ter a sorte de um tiro em cheio” [33]. Todavia, as tripulações dos PV-2, com pouca ou nenhuma experiência além da luta anti-submarina e do reconhecimento oceânico, adaptaram-se bem ao reconhecimento terrestre e ao bombardeamento a baixa altitude - ainda que enfrentando dificuldades típicas de "iniciados". Frequentemente as bombas enterravam-se na lama e não explodiam, frustrando os pilotos

Em contraste, era outra a perspectiva dos comandantes no terreno. Na primeira oportunidade em que a 4ª CCE estabeleceu contacto rádio com um PV-2, aproximava-se duma zona onde se encontrava um grande grupo armado, hostil, mas que, pela observação piloto, foi denotado com um grande grupo com “aspecto pacífico”. O Capitão pediu que fosse feito fogo de demonstração para os dispersar, mas não foi atendido. Infelizmente, e como previsto, registaram-se problemas com este “grupo pacífico” e foi derramado sangue, o que podia ter sido evitado [34].

O Capitão Teixeira de Morais relatou o incidente aos sues superiores e pediu que as tripulações dos PV-2 fossem informadas do que se sucedia efectivamente no terreno, visto parecer haver muita ignorância. Especificamente pediu que os aviões não sobrevoassem os grupos. Até esta ocasião os pilotos tinham feito apenas voos de reconhecimento visual, sobrevoando grandes concentrações de pessoas e relatando que eram “pacíficas”, porque acenavam e atiravam terra para o ar em sinal de amizade aquando do sobrevoo pelos Harpoons. O que os pilotos não sabiam era que o pessis tinham convencido o povo que os aviões eram do Kasabuvu e estavam ali para os ajudar. A situação foi corrigida e os pilotos dos PV-2 passaram a responder efectivamente com demonstrações de fogo, lançamento de bombas e passagens a baixa altitude de maneira a dispersar os grupos. Deve notar-se que nunca foi pedido ou executado qualquer ataque directo aos grupos [35].

A partir do Quela a 4ª CCE virou para norte e passou por Montalegre, Sunginge, Caombo, Marimba, Mangando, chegando finalmente a Tembo Aluma na fronteira do Congo, a 17 de Fevereiro. Ao atingir o rio Cuango e a fronteira com o Congo encontrou a sanzala do Rei Bumba, dos Maholos, abandonada há pouco tempo, ainda com panelas ao lume. As tropas puderam ver os últimos habitantes saindo da água no outro lado do rio. Bumba foi o único chefe nativo da Baixa do Cassange a escapar-se para o Congo[36].

Após completar esta missão a 4ª CCE foi autorizada a dirigir-se para Sul, ao longo do rio Lui, para ajudar as populações na área do Milando. Originalmente esta missão tinha sido atribuída à 3ª CCE, que não a conseguiu cumprir por não lhe ter sido possível atravessar o rio Lui, com pontes e "ferries" destruídos e assolado por fortes chuvas e alagamentos que deixaram esta unidade isolada na margem leste do mesmo [37].

À medida que as forças progrediam no terreno, dominado pelo “feudo do algodão”, tentavam compreender a razão da revolta e do profundo descontamento que testemunhavam. As tropas da 4ª CCE tentavam acalmar os milhares de nativos, prometendo reformas aos seus lideres e pondo fim a extorsões de alguns chefes de posto [38]. Igualmente as tropas tentavam impressionar e dissuadir os nativos revoltados com demonstrações de força, como voos baixos de aviões e tiros altos, sobre as cabeças, mas a acção dos agentes das companhias concessionárias faziam estas demonstrações parecer ocas [39]. Na visão dos rebeldes havia pouco a perder com as suas acções, especialmente porque pensavam que as balas disparadas contra eles se transformavam em água. Por outro lado, as promessas dos militares tinham pouco significado porque sabiam que as decisões importantes eram tomadas em Luanda ou em Lisboa [40].




Foto 1
Um Lockeed PV-2 Harpoon em Luanda
Origem: OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutico

Os Harpoons de Luanda apoiaram a progressão das forças terrestres até Tembo Aluma, o coração da insurreição, sem disparar um tiro. Quando a crise atingiu o seu máximo, em meados de Fevereiro, houve uma redução no número de saídas de Luanda. Então os Auster preencheram a falta. Quatro aviõees leves Auster, de reconhecimento, operavam a partir de Carmona, desde 13 de Dezembro, patrulhando ao longo das estradas e da fronteira com o Congo, nas regiões Norte e Oeste da Baixa do Cassange. Dois destes Auster foram designados para apoiar a 3ª CCE e em 25 de Fevereiro começaram a voar em missões de reconhecimento a partir de Malange sobre as zonas críticas com oficiais do Exército no lugar de segundo piloto.

Estas pequenas e leves aeronaves lançavam provisões e mensagens ao avanço das forças terrestres e serviam de ligação de recurso de comunicações com o comando em Malange. Voavam à frente das colunas e avisavam de emboscadas. Eram missões longas e exaustivas requerendo perto de 4 horas de intensa concentração [41]. Este ciclo repetia-se mais de duas vezes ao dia e os pilotos voavam até estarem completamente exaustos ou quando não havia luz do dia. A única pausa resumia-se a uma sanduíche e uma bebida durante os reabastecimentos entre missões [42]. Quando os encontros com os insurrectos se tornaram mais frequentes, os Auster assumiram uma acção mais agressiva e começaram a utilizar oficiais do Exército como “bombardeiros” para dispersar grupos hostis. O oficial levava uma caixa de granadas defensivas entre os pés, que eram lançadas, uma a uma, sobre os bandos hostis. Em três dias, 18, 23 e 24 de Fevereiro, foram realizados destes “bombardeamentos” causando baixas e pânico entre os bandos rebeldes.

Na perspectiva das forças terrestres, estas acções de "bombardeamento", além de não solicitadas, demonstraram-se contraproducentes por causarem baixas inocentes. Na manhã de 24 de Fevereiro os “inofensivos” Auster voaram sobre uma grande massa de insurrectos que cercavam há muitos dias as populações europeias e africanas de Milando - refugiados no respectivo posto administrativo . As granadas eram lançadas tirando-lhe a cavilha e metendo-as dentro de um jarro de vidro que, partindo no impacto com o chão, libertava a alavanca. Desta forma, artesanal, os aviões, relativamente lentos, não eram atingidos pela explosão, mas causavam ferimentos graves entre os grupos visados. Ferimentos que necessitavam de cuidados médicos especializados e que acabavam por ser prestados por pessoal médico militar. O Capitão Teixeira de Morais refere que nunca deixou pessoas feridas no terreno, evacuando os mais graves para o hospital de Malange; isto facilitou muito o contacto e relação do Governo com as populações, ajudando a conter a rebelião [43].

Embora as actividades rebeldes tenham cessado pouco depois, a FAP continuou os reconhecimentos até as operações estarem concluídas [44]. Os Auster de Malange alternavam periodicamente com os outros dois de Carmona e os abnegados pilotos dos quatro Austers, o Tenente-coronel Soares de Moura, os Tenentes Corte Real Negrão e Élio Mesquita e o Sargento Pedro Carvalhão, voaram dúzias de missões em condições marginais, sem incidentes, até à conclusão das operações aéreas a 2 de Março [45].

Indicativo das operações dos Auster é a experiência do Tenente Negrão no reconhecimento da estrada entre Malange e Xá-Muteba. A sua oportuna e firme acção em Xá-Muteba resultou na acalmia duma excitada multidão e salvou muitas vidas. Originalmente a missão era o lançamento do correio, fazendo uma primeira passagem baixa para alertar os habitantes e a segunda para lançar o embrulho no pequeno largo da povoação. Nesse dia não apareceu gente após a primeira passagem, e, ao olhar para baixo, viu uma extensa mancha de sangue rubra e fresca no pequeno largo. Uma olhadela pelos arredores mostrou um grupo de nativos que fugia para o capim, qual "bando de antílopes" [46]. Na estrada estava um prisioneiro, entre dois homens armados, de braços amarrados. Isto alertou a curiosidade da tripulação do Auster e, no papel de embrulho do pacote do correio, foi escrito: "Vamos aterrar" [ 47 ].

Existia em Xá-Muteba uma longa faixa de terreno que era descrita como uma "pista" pela administração, mas era primitiva. A partir do ar parecia limpa e plana e apta para aterrar e desembarcar. O terreno  aberto esteve utilizável antes das chuvas; a terra era agora um verdadeiro mar. O Auster após uma primeira aterragem vê o seu curso interrompido contra uma massa de vegetação molhada terminando num pantanal.

À medida que o Auster era rapidamente rodeado por um grupo hostil, tornou-se de imediato evidente que estava em curso uma revolta em Xá-Muteba. Negrão informou-os que existia uma força militar a avançar sobre a localidade e que chegaria na manhã seguinte caso não fossem persuadidos a dispersar. O grupo manteve a sua atitude agressiva, empunhando catanas e aguardando um sinal. Aparentemente os modos e palavras de Negrão foram persuavisos nesse dia - do qual resultaria uma única vítima. O grupo acabou por dispersar, e a calma por reinar. A vítima foi enterrada e apenas o sangue permamaneceu. As chuvas fizeram tardar a partida de Negrão, mas o Sol acabou por voltar e com a ajuda e "conselhos" dos locais o Aister foi arrastado até ao extremo do terreno e descolou com sucesso [48].




Foto 2
Um Auster no Negage
Origem: OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutico

Durante a operação Cassange os Harpoons realizaram 28 saídas da BA9 em Luanda e os Auster voaram muitas mais a partir de Malange. Reflectindo sobre a operação, Resende refere que a acção dos quatro frágeis Auster foi muito mais eficaz na debelar da revolta que a dos Harpoons [49]. As baixas são sempre deploráveis, mas no caso da “guerra do algodão” foram relativamente ligeiras, dois mortos e quatro feridos entre as unidades terrestres e 243 mortos entre os insurrectos [50].

As populações da Baixa do Cassange estavam agora vulneráveis e carentes de alimentos, porque a destruição parcial das colheitas, a morte do gado e a captura das suas armas de caça, deram origem a uma situação crítica. A miséria era enorme e o Exército procurou levar-lhes provisões e aliviar as suas necessidades.

A Operação Cassange terminava com uma nota humanitária que teria impacto psicológico em pessoas levadas a essa situação pelos agitadores, os agentes das companhias concessionárias e alguns elementos da administração. De facto o povo verificava que as promessas do pessis eram ocas e que o Exército atendia às queixas e tentava resolver os problemas. Ainda que a Operação Cassange termine com um registo humanitário, toda a situação teve também um efeito psicológico determinante sobre os envolvidos, que se viram reduzidos a este estado vítimas das acções de agitadores, de agendas das companhias concessionárias e de autoridades do Governo. De facto, à medida que as populações davam conta das promessas ocas dos pessis e compreendiam que o Exército estava a escutar com atenção as suas queixas e a tentar endereçar as mesmas, e começavam a exigir que os Maholos, a “causa do seu sofrimento”, fossem punidos e que as tropas se mantivessem na região para os proteger de mais ataques [51].

A legislação que acabou com a cultura obrigatória do algodão, afectando as Companhias concessionárias, chegou quatro meses depois; atrasada, mas a injustiça foi corrigida [52]. As cartas de Resende para Lisboa podem finalmente ter influenciado o pensamento do Governo ao mais alto nível. Certamente que a experiência afectou acontecimentos futuros, quer na acção dos movimentos de revolta colonial, quer nas alterações radicais, humanísticas e positivas nas políticas portuguesas sobre os nativos. Indicativo do carácter espontâneo e localizado da rebelião foi o facto de nenhum movimento nacionalista africano ter reivindicado a autoria da acção na época, ou a sua publicidade.


[ Notas de pé de página ]

[1] René Pélissier, Les Guerres Grises: Resistance et Revoltes en Angola (1845-1941). (Orgeval, Pélissier, 1977), 298.

[2] Fernando Pinto de Resende (Brigadeiro), Comandante da 2ª Região Aérea, para João Faustino de Albuquerque de Freitas (General), Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, 8 de Fevereiro de 1961, correspondência pessoal a propósito da “Guerra do Algodão”, arquivo de correspondência pessoal, Vol II, Nº Prov. 323, Arquivo Histórico da Força Aérea Portuguesa, Alfragide.

[3] Francisco Camacho, "Baixa do Cassange. O Massacre que veio do Céu", Grande Reportagem 137 (Agosto de 2002) 64.

[4] Resende para Albuquerque de Freitas, 3 de Fevereiro de 1961, correspondência pessoal. Um “trust” neste sentido é a combinação de firmas detentoras de um monopólio.

[5] Edgar Pereira da Costa Cardoso, Presença da Força Aérea em Angola. Lisboa, Secretaria de Estado da Aeronáutica, 1963, 79.

[6] Camacho, 65.

[7] Ibid.

[8] Basil Davidson, In the Eye of the Storm: Angola’s People (New York Double Day, 1972), 128.

[9] Fernando Pinto de Resende (Brigadeiro), Comandante da 2ª Região Aérea, para João Faustino de Albuquerque de Freitas (General), Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, 8 de Fevereiro de 1961, correspondência pessoal a propósito da “Guerra do Algodão”, arquivo de correspondência pessoal, Vol II, Nº Prov. 323, Arquivo Histórico da Força Aérea Portuguesa, Alfragide.

[10] John A. Marcum, The Angolan Revolution, Vol. I, The Anatomy of an Explosion, (1950-1962) (Cambridge, Mass: MIT Press, 1969), 47.

[11] Ibid.

[12] António Lopes Pires Nunes, Angola 1961: Da Baixa do Cassange a Nanbuangongo, (Lisboa, Prefácio 2005), 59.

[13] Resende para Albuquerque de Freitas, 2 de Fevereiro de 1961, Correspondência pessoal.

[14] António Luís Ferronha, "Sincretismos Afro-Cristãos", Grande Reportagem (Agosto 2002). Ver também Marcum, 47-48 e Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Vol. VI, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo I Angola, Livro I (Lisboa, Estado-Maior do Exército 1988, 103-107). O Quimbanguismo é por vezes designado Kasonzola.

[15] Estado-Maior do Exército, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Vol. II, Dispositivo das Nossas Forças em Angola (Estado Maior do Exército, 1989), 30.

[16] Camacho, 67.

[17] Luís Artur Carvalho Teixeira de Morais, correspondência com o autor, 11 de Outubro de 2010, Paço d´Arcos.

[18] Pires Nunes, 63-64.

[19] Teixeira de Morais, correspondência.

[20] Ibid.

[21] Ibid.

[22] Marcum, 125.

[23] José Manuel Correia, A Guerra do Algodão, Mais Alto, Janeiro-Fevereiro de 2006, 43. Ver também Fernando Pinto de Resende, correspondência pessoal para João Faustino de Albuquerque de Freitas, 17 de Fevereiro de 1961, Arquivo Histórico da FAP, Alfragide, Vol II, Nº Prov 323.

[24] As catanas são facas compridas utilizadas para cortar a vegetação e os canhangulos armas de fogo, de carregar pela boca, por vezes feitas com canos de água montados numa coronha rústica e carregados com pedaços de metal.

[25] Pires Nunes, 68.

[26] Ibid,69.

[27] Os Auster D.5/160 eram construídos pela firma britânica Auster Aircraft Co, depois Beagle Co. Vinte e oito foram fabricados na Grã-Bertanha e onze foram enviados para Portugal em Julho de 1960 e reenviados para Angola. Quatro deles participaram nas operações da Baixa do Cassange. Com início em 1962 a Beagle enviou para Portugal 147 Austers em kit, sendo montados nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) em Alverca até 1966. Ver Mário Canongia Lopes,Os Aviões da Cruz de Cristo, Lisboa, Dinalivo, 2001, 333-337.

[28] Teixeira de Morais, correspondência.

[29] Pires Nunes, 70-74.

[30] Teixeira de Morais, correspondência.

[31] Pires Nunes, 70-74.

[32] Edgar Cardoso, 80-81

[33] Resende para Albuquerque de Freitas, 17 de Fevereiro de 1961, correspondência pessoal.

[34] Teixeira de Morais, correspondência.

[35] Ibid.

[36] Ibid.

[37] Ibid.

[38] José Correia, historiador da aviação militar portuguesa, correspondência com o autor, 23 de Fevereiro de 2010. Muitos chefes de posto eram mulatos Cabo-Verdianos. Sendo quase brancos eram cruéis com os trabalhadores negros, que os odiavam.

[39] Pélissier, 417.

[40] Ibid.

[41] Ibid, 43.

[42] José Correia, correspondência com o autor, 22 de Fevereiro de 2010.

[43] Teixeira de Morais, correspondência.

[44] José Correia 44.

[45] Ibid; José Correia, correspondência com o autor, 23 de Fevereiro de 2010. “Aeródromo-Base 3 – Negage. Súmula Histórica”, http://aerodino.no.sapo.pt/negage1.html (acedido a 24 de Fevereiro de 2010).

[46] Edgar Cardoso, 85.

[47] Ibid.

[48] Ibid

[49] Correia, 44.

[50] Camacho, 73; e Estado-Maior do Exército (EME), Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Vol VI,Aspectos da Actividade Operacional, Tomo I – Angola, Livro 1. EME, 1998, 150. Há indicação de números exagerados de baixas, como os da UPA: primeiro falou em 7.000 nativos mortos e depois em 10.000. Como a UPA não esteve envolvida na Baixa do Cassange a sua credibilidade é suspeita. José Ervedosa avança com 5.000 e Pélissier com “centenas, talvez milhares de mortos”. Este descreve enterros em massa feitos com bulldozers, que não existiam em operação na Baixa do Cassange na época das chuvas. Há também acusações de emprego de napalm pela FAP, queimando sanzalas com mulheres e crianças metidas nas cubatas. A origem destas falsidades é o artigo escrito por José Ervedosa em Fevereiro de 1970 no Jornal francês Africasia, página 31. Refere que foram destruídas 17 sanzalas e que 5.000 homens, mulheres e crianças foram queimados vivos. Este artigo também refere que, em 8 de Fevereiro de 1961, o Capitão Teixeira de Morais pediu que o Harpoon pilotado por Ervedosa bombardeasse Cunda-Ria-Basa. Nesse dia chovia torrencialmente e os aviões não voaram, pelo que o texto é suspeito em muitos pontos. Esta versão incorrecta foi incluída por René Pélissier no seu livro "La Colonie du Minotaure: Nationalismes et Revoltes em Angola (1926-1961)" (Orgival-Péllissier, 1979), pág. 418 e repetida por Pélissier e Douglas I. Wheeler no seu livro Angola (Londres, Pall Mall Press), pág. 174. Mais recentemente apareceu mais um relato da “actividade” num artigo do jornalista Francisco Camacho, "Baixa do Cassange: O Massacre que Veio do Céu", Grande Reportagem 137, Agosto de 2002, pág. 63-77. A acusação não tem base e é uma completa fantasia. O napalm foi utilizado em Angola, mas só a partir de finais do Verão de 1961, com a chegada dos F-84G Thunderjets. Uma verificação feita às cadernetas de voo dos poucos pilotos envolvidos na “guerra do algodão” indica que não houve acções de bombardeamento com napalm. Há referências a MET (metralhamentos) e BOP (bombardeamento em picada) mas não NAP (napalm). O autor do embuste foi José Ervedosa, um antigo aviador naval que passou para a Força Aérea, com comportamentos não apropriados e questionáveis, particularmente para um oficial. Revelou atitudes graves de indisciplina no campo militar e outras eticamente condenáveis na vida civil. Os seus problemas são referidos pelo seu antigo comandante de esquadra e de grupo, o General António Silva Cardoso, no seu livro "Angola, Anatomia duma Tragédia" (Lisboa, Oficina do Livro, 2000) pág. 38, 47, 191, 206, 208 e 209. Ervedosa efectuava más avaliações e decisões, esteve envolvido numa série de acontecimentos pouco claros, e acabaria por ser afastado de funções e dispensado do comando da esquadra por Silva Cardoso, que, regressado de Lisboa, o encontrou a jogar às cartas com os mecânicos e com atribuições não cumpridas. Ervedosa viria a desertar para a Argélia de onde viria a gerar as suas fabricações anti-coloniais.

[51] Teixeira de Morais, correspondência.

[52] Decreto-Lei 43.639, de 2 de Maio de 1961. "





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