4.ª Companhia de Caçadores
Especiais - 4 CCE |
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Pedro Pereira Mateus
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Num
mediático e dramaticamente badalado artigo publicado a Agosto de 2002,
na Revista "Grande Reportagem", uma foto de um avião da Força Aérea
Portuguesa na Guiné, com tanque
extra de combustível e bomba convencional, é usada para ilustrar o alegado uso
de "napalm" em Angola durante a "Operação Cassange".
Uso de "Napalm" na
"Operação Cassange" Um artigo de autoria de Francisco Camacho, publicado nas páginas 62 a 77 da edição de Agosto de 2002 da revista "Grande Reportagem", sob o título "Baixa de Cassange - O Massacre que Veio do Céu", retoma um tema recorrente - o alegado uso de "napalm" pelos meios aéreos da Força Aérea Portuguesa (FAP) no decurso da "Operação Cassange" no Norte de Angola de 5 Fevereiro a 19 de Março de 1961. Em particular, nas páginas 70 e 71, abaixo reproduzidas, recorre o autor a fotos de meios aéreos, de grande destaque, que, alegadamente, permitiriam provar o uso (ou pelo menos a presença) dos meios em questão. As fotos são apresentadas como tendo por fonte o Arquivo da Força Aérea Portuguesa e o Arquivo do Círculo de Leitores.
A foto
A legenda da foto publicada atesta, superlativamente, o alcance desejado pelo autor do artigo da "Grande Reportagem": "NAPALM. Militares colocam bombas de napalm num avião português. Dois anos depois de chegar a Angola, a Força Aérea utilizava pela primeira vez as célebres bombas incendiárias para reprimir o levantamento dos camponeses" (sic) - pelo que não se trata de um mero detalhe de ilustração, digamos, genérica. Realça-se que a foto que o autor do artigo decide usar - explicitamente para demonstrar o "uso" de napalm pela FAP na "Operação Cassange", e ocupando mais de um terço da página - mostra um avião que nunca esteve no Teatro de Operações de Angola, e que mesmo a sua chegada à Guiné aconteceu 6 meses (!) depois da "Operação Cassange" ter terminado e, precisamente, com um objectivo de projecção de força na sequência desses incidentes.
De realçar ainda que na legenda das fotos da página 70, o autor indica explicitamente "(...) os Aviões PV-2 (em cima) foram os bombardeiros utilizados pela Força Aérea no ataque à Baixa de Cassange. (...)" (sic). Curiosamente a única foto, na página precisamente ao lado, que acaba por ser evidenciada para supostamente demonstrar a carga de "napalm" do mesmo, recorre a um avião que nem sequer é um PV-2 (não sendo necessário qualquer nível de conhecimento técnico para os distinguir, dada, além da diferença geral de dimensões, a posição dos motores - num colocado nas asas e noutro no interior da fuselagem, e ainda a forma da cauda). Ainda assim, poderiam até as cargas a ser colocadas no avião da foto publicada corresponderem ao descrito pelo autor na legenda - mas também assim não é. Na posição exterior, marcada com o número "1" na foto recortada abaixo, está um tanque de combustível extra (tanques auxiliares amovíveis, ditos "drop tanks") de 200 galões (aproximadamente 760 litros). Na posição interior, marcada com o número "2", está um bomba convencional (ditas "general purpose"), de fragmentação/demolição (não de "napalm") - aparentemente de 500 a 750 libras (aproximadamente 227 a 340 quilogramas).
Em suma, o autor recorre a uma foto de um avião que não corresponde à marca ou modelo daquele que o próprio indica como tendo sido usado; usa a foto de um avião que nunca esteve presente no Teatro de Operação de Angola; usa a foto de um avião que apenas esteve presente na Guerra do Ultramar mais de 6 meses depois de finda a "Operação Cassange"; usa uma foto, e destaca-o em legenda, de supostas cargas de bombas "napalm" - que são na verdade um tanque de combustível e uma bomba convencional. Curiosamente esta mesma foto, como abaixo se reproduz, viria entretanto a ser publicada, correctamente legendada como "F-86 a ser municiado na Guiné". Esta mesma publicação teve lugar sob autoria de Luis Alves de Fraga na obra "A Força Aérea na Guerra em África: Angola, Guiné e Moçambique: 1961-1974". Prefácio, 2004
Para um conhecimento histórico sobre as missões da FAP no decurso da "Operação Cassange" recomenda-se vivamente a leitura do artigo de José Manuel Correia, publicado na Revista "Mais Alto", na sua edição de Janeiro-Fevereiro de 2006, n.º 356, Ano XLIV, páginas 40 a 44, sob o título "A Guerra do Algodão, As Primeiras Missões Ofensivas da Força Aérea Portuguesa em África" . As origens "documentais" do mito Sendo assumidos e reconhecidos, por todas as fontes e investigadores, a utilização de meios aéreos ofensivos da FAP na "Operação Cassange", tal uso assentou em meios ditos convencionais (metralhadoras e bombas convencionais) e não no uso de bombas de "napalm". Também é reconhecido, por todas as fontes e investigadores, que de forma mais ou menos intensa, teve lugar uso de "napalm" durante a Guerra do Ultramar (em Angola, em Moçambique e, especialmente, na Guiné). Apenas se pretende aqui demonstrar que neste contexto concreto e preciso assim não sucedeu. Curiosamente uma das fontes mais vezes associada (e citada) à identificação do uso de "napalm" na "Operação Cassange", é um original redigido em língua francesa, de autoria de José Maria Ervedosa, com o título "Les Envoyes des Seigneurs" e no qual é referido, conforme excerto abaixo reproduzido, e em discurso directo do autor, então oficial da FAP, que teria tido lugar um lançamento de "napalm" a partir do avião por si comandado, em Fevereiro de 1962 - ou seja um ano depois (!) da "Operação Cassange". Mais ainda reconhece, em discurso directo, e na primeira página, que os factos que relata directamente dizem respeito ao período de precisamente "663 dias que passou em Angola, de 21 de Abril de 1961 e 12 de Fevereiro de 1963" (sic). Ou seja, mesmo o momento inicial de funções definido pelo autor é posterior ao final da "Operação Cassange" (19 de Março de 1961). As inconsistências são evidentes - mas aparentemente poucos leram efectivamente o documento original do autor.
Muitas vezes citado, e do mesmo autor, é o artigo também publicado num original em língua francesa, com o título "Les Massacres de la Baixa de Cassange". O mesmo foi publicado no n.º 9 da Revista "Africasia" de 16 de Fevereiro de 1970, nas páginas 30 e 31. Curiosamente aqui o autor, José Maria Ervedosa, não cita quaisquer dados directos - i.e., datas e acções suas, mas apenas generalidades acusatórias e trocando, aquando da única citação feita (anónima ainda assim), a expressão "napalm" por "bomba" (quando, efectivamente, não é sequer debatido o uso de bombas convencionais, por todos reconhecido). Importa notar, tal como referido no mesmo, que este artigo foi escrito pelo autor em exílio em Argel, na Argélia, enquanto redigia, precisamente, "Les Envoyes des Seigneurs" acima citado e comentado.
É por demais reveladora a falta total de dados historicamente relevantes - datas, locais, nomes estão ausentes deste artigo e apenas são descritos uma série de elementos gerais e politicamente acusatórios. Elementos estes que, e levando ao perpetuar do mito até aos nossos dias, outros autores decidiram fazer eco ao longo do tempo - como o veio evidenciar o conceituado investigador John P. Cann no seu artigo " Baixa do Cassange - O catalisador que levou à correcção de um erro ", publicado na Revista Militar n.º 2508 de Janeiro de 2011, em que denota a inclusão deste versão incorrecta por René Pélissier no seu livro "La Colonie du Minotaure: Nationalismes et Revoltes em Angola (1926-1961)" (Orgival-Péllissier, 1979), pág. 418 e repetida por Pélissier e Douglas I. Wheeler no seu livro Angola (Londres, Pall Mall Press, 1971), pág. 174. Surge assim, desta feita, em 2002, o artigo de Francisco Camacho na Revista "Grande Reportagem" que "acrescenta", como aqui se desmonta, elementos fotográficos totalmente inconsistentes ao mito do uso de "napalm" pela FAP no decurso da "Operação Cassange" em Angola entre Fevereiro e Março de 1961.
Referências
Francisco Camacho John P. Cann
José Maria Ervedosa José Maria Ervedosa António de Araújo e António Duarte Silva António Silva Cardoso Barbeitos de Sousa.
José Manuel Correia Duncan Curtis. Luis Alves de Fraga. José Cabeleira. Arnaldo Sousa |
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